O maior (tanto de qualidade quanto de barriga) autor de livros da
Grã-Bretanha, Gilbert Keith Chesterton, era Jornalista dentre outras várias
atividades. Uma de suas frases imortais diz o seguinte: “Não foi o mundo que
ficou pior, foi o Jornalismo que ficou melhor”. Chesterton se referia principalmente
ao modo como os jornais pareciam mostrar mais precisamente os detalhes da
notícia, com menos fantasia e mais informações concretas, de certa forma uma
novidade no início do século XX, sucessora de uma época marcada pelo chamado
Jornalismo Literário. Jornalismo este que Truman Capote, por alguma estranha razão
um dos maiores nomes jornalísticos do século passado, parece ter se empenhado
vivamente em trazer de volta em “A Sangue Frio”. A história de como dois
asssassinos – Richard Eugene Smith e Edward Perry Smith – invadiram a casa de
Herbert Clutter e mataram-no, assim como os demais membros da família, a esposa
Bonnie e os filhos Kenyon e Nancy.
Capote dedicou anos de sua vida profissional a pesquisar tudo o
que foi possível sobre o massacre da família Clutter, no Estado do Kansas, em
1959. Alguns poderiam ver essa frase e pensar simplesmente que o autor passou
horas em bibliotecas e arquivos de jornais ou pendurado no telefone. Bem provável
que isso também tenha acontecido, mas também ajudou o fato de que Capote chegou
em Holcomb, palco da tragédia, um mês depois de esta ter acontecido, de modo
que acompanhou em primeira mão praticamente toda a investigação feita em busca
dos assassinos. É importante destacar esse detalhe. Um bom Jornalismo é feito,
antes de tudo, com uma apuração que seja no mínimo ótima. O Jornalista que
consegue deitar as mãos no maior número possível de materiais relevantes ao seu
trabalho pode permitir que a história surja por si mesma, sem praticamente
nenhuma interferência de sua parte. E é importante destacar também este ponto,
porque existe um mito corrente entre os leigos que se deve, de certa forma, a
esta obra: toda informação concernente a um assunto merece ser publicada.
E não, não merece.
Se existe algo de condenável em “A Sangue Frio” é que Truman
Capote mostrou ser, se não um sonhador, um mentiroso. Ele promete Jornalismo e
entrega um romance água-com-açúcar. Ele teve nas mãos a chance de entregar um
material que seriviria de guia tanto de apuração jornalística quanto de
investigação policial. Capote preferiu esconder o máximo possível de
informações relevantes a respeito do passo a passo da rotina policial e encher
o relato de floreios e devaneios. Há de se questionar mesmo até onde podemos
confiar no quanto de imersão o autor teve para descobrir cada pensamento e ação
ínfima de cada personagem participante da trama. Como, por exemplo, no trecho
abaixo:
-Nossa, Kenyon! Estou te ouvindo.
Como sempre, Kenyon estava com o
diabo no corpo. Seus gritos subiam pelas escadas:
-Nancy! Telefone!
Descalça e de pijamas, Nancy
desabou pelas escadas. Havia dois telefones na casa: um no quarto que o pai
usava como escritório, outro na cozinha. (Pg. 22; Editora
Abril)
A única informação relevante nesse trecho é o número de telefones
e a localização dos mesmos. O resto é apenas uma tentativa de fazer o leitor entender
que os Clutter eram uma família interiorana comum com uma rotina comum de
família. Algo que poderia ter sido explicado em menos de um capítulo apenas com
entrevistas feitas com amigos e vizinhos. Além disso, nesse trecho participam
apenas Kenyon e Nancy, ambos mortos durante o ataque. Como Capote saberia todos
os detalhes precisos da cena e do ambiente sem pelo menos uma testemunha? Situações
assim aparecem em diversas partes do livro, e piora quando o autor embarca em
sonhos e pensamentos pessoais dos personagens. É o suficiente para começar a
questionar se Capote não aproveitou para tomar algumas “licenças poéticas” em
pontos específicos. Mas se isso realmente aconteceu em um livro que deveria ser
um relato jornalístico, pode-se questionar a veracidade de TODOS os fatos
apresentados ali. E isso por si só é um grande problema.
E assim é explicado o título desse texto ser “... E Sherlock
Holmes tinha razão...”. Para quem lembra dos contos do detetive criado por Sir
Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes tinha exatamente essa reclamação a respeito
dos humildes relatos feitos pelo Dr. John Watson: transformar aquilo que seria
uma amostra das habilidades analíticas de uma investigação real em uma
literatura comum “que pode muito bem entreter, mas não instruir o leitor”. O livro
por si só é uma ótima narrativa, prende a atenção e cumpre o seu papel como
literatura. Mas, e faz-se necessário voltar a insistir, “A Sangue Frio” é um
romance literário baseado em fatos reais, e NÃO um livro-reportagem, e seria
muito mais decente da parte de Truman Capote se tivesse admitido essa verdade
desde o princípio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário